domingo, 29 de agosto de 2010

De tudo fica um pouco.

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.


Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.

Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.


Mas de tudo fica um pouco.

Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
― vazio ― de cigarros, ficou um pouco.


Pois de tudo fica um pouco.



Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? [...]


Carlos Drummond de Andrade, grande poeta brasileiro (1902-1987), In: "A Rosa do Povo".

E de mim deve ficar um pouco para escrever...Minha irmã é escritora, e muito boa, ela me insentivou a fazer esse blog, e inclusive fez para mim, lá na casa da tia Florzinha, que disse assim "que horas você vai escrever, da meia noite as seis?", rimos muito....pois é estou aqui as quatro da tarde, escrevendooooo...
A ideia é registrar os meus dias de mãe, sentimentos e fatos de uma mãe de duas filhas, todas as alegrias e momentos bons que ser mãe proporciona, mas também todos os medos, fraquezas e sentimentos nem tão nobres que acontecem, no âmbito simples de poder reler e corrigir, assim como apaga o que se escreve, corrigir atitudes e tentar transmitir amor e tranquilidade para elas, motivo maior da minha existência e quem sabe um dia, possam ler e perceber que todos os meus erros durante suas vidas foi na tentativa de acertar... Pois de tudo fica um pouco... fica em mim o registro físico e psíquico de mãe, fica nelas o carimbo psíquico e físico do que resta de mim. 

2 comentários:

  1. o que resta de mim contém um pouco de vc...
    com tem juntas nós

    conte-me uma história pra dormir que a noite é longa ainda tenho medo do escuro. guardo meus porta-retratos, porta-jóias sob a cama..
    e espero vc me olhar até o sono acordar,
    e os anjos que via, vejo, são teus amigos
    conte-me uma história pra dormir e acordar, doe-me-nos.. um resto de ti

    bjo

    dani

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  2. então Dani, você faz poesia até no comentário, choro (quando entendo), mas a poesia não penetra em quem entende, né? Lembro das noites de medo, e de porta-jóias pelas camas, que delícia poder te proteger, por que no tudo mais, você é a MAIS...e como escreve bem, nunca deixe de fazer poesias, entenderei algumas mas verei beleza nas outras todas, obrigada pela inspiração, idéia e por permitir contar histórias para você dormir... por pior que eu escreva, também acho que escrever vai me fazer muito, muito bem, e me manter equilibrada sempre. Mais uma vez obrigada.

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